O homem mais rico do mundo está no púlpito. Ele leva a mão ao peito, estende-a com ímpeto para frente em um ângulo ascendente e finaliza com um sorriso. A cena reverbera pelo mundo: políticos e especialistas alertam para o gesto, enquanto o bilionário alega inocência. “sOU uM dEsaJEiTadO”, ele diz. Mas, nos cantos obscuros da internet, extremistas celebram a cena como um triunfo. O episódio alimenta debates sobre liberdade de expressão e o poder simbólico das figuras públicas, mas também é um lembrete do crescente domínio das megacorporações sobre a sociedade: os debates, é claro, acontecem sobretudo nas redes sociais que estão na origem do poder dos bilionários que controlam os corações e mentes de todos nós.
O que antes parecia ficção, hoje é uma realidade cada vez mais palpável. A filosofia do universo ciberpunk especula sobre um futuro em que a tecnologia avançada colide com a decadência social, resultando em sociedades altamente desiguais, controladas por megacorporações e marcadas pela alienação individual. A privacidade é um conceito obsoleto. A tecnologia, ao invés de libertar, oprime. Ao imaginar um futuro distópico, a estética ciberpunk nos ajuda a refletir sobre os rumos da nossa sociedade.
A concentração de poder econômico e político em figuras como Elon Musk, dono de empresas que controlam o presente e o futuro (de redes sociais até o transporte espacial), simboliza a ascensão de magnatas como líderes globais. As redes sociais, ao invés de conectar as pessoas, são ferramentas de manipulação, vigilância e polarização. Em meio a uma cortina de fumaça, a desigualdade social se acirra e a degradação ambiental avança. O ciberpunk é um espelho da nossa realidade.
As grandes corporações acumularam tamanho poder econômico e político que chegam a ultrapassar a influência de governos e outras instituições políticas. Empresas como Amazon, Alphabet (Google), Meta (Facebook, Instagram, WhatsApp) e Tesla não se limitam a controlar os mercados, mas, sobretudo, manipulam informações pessoais, influenciam eleições e definem políticas públicas. Elon Musk, com seu império que vai de carros elétricos a satélites de comunicação, é a personificação dessa tendência. A aquisição do Twitter lhe garantiu o controle de uma das principais plataformas de debate público do mundo, enquanto a Starlink o posiciona como intermediário cada vez mais presente na comunicação global.
Mas nada disso é um fenômeno isolado. A lógica capitalista, ao priorizar o crescimento exponencial e a maximização dos lucros, leva historicamente à concentração de poder. Fusões empresariais, formação de monopólios, lobby e captura regulatória garantem que poucas corporações dominem setores inteiros, enquanto as tentativas de regulação são desmontadas ou corrompidas. O capitalismo não apenas permite essa concentração como a incentiva.
As megacorporações não se limitam ao setor tecnológico. Empresas como ExxonMobil, Shell, Nestlé, Pepsico, Samsung, etc. transformam recursos vitais em commodities, concentrando riqueza, manipulando mercados e impondo a precarização do trabalho nos países em desenvolvimento. Promovem a devastação ambiental e aprofundam desigualdades sociais. Na prática, essas corporações se tornaram verdadeiras “nações sem bandeira”, moldando os rumos do mundo com base em seus interesses. A estética ciberpunk se materializa diante de nossos olhos: uma sociedade dividida, alienada e controlada por forças econômicas invisíveis. A democracia é minada quando governos se tornam reféns de interesses corporativos, e nossa voz é silenciada por monopólios midiáticos.
Uma saudação nazista não é ato isolado; é a epítome do poder simbólico que figuras públicas têm de influenciar ideologicamente, normalizando comportamentos extremos. Tais gestos ressoam em uma sociedade cada vez mais extremada, desigual e tomada pelo medo. E alimentam o lucro das elites que controlam o mundo.
Enquanto os bilionários acumulam riquezas sem precedentes, a população marginalizada enfrenta a exclusão de recursos básicos. Uma elite tosca desfruta da tecnologia de ponta em setores como transportes, moradia, saúde e alimentação, ao mesmo tempo que a grande massa de excluídos enfrenta, apinhada, longas jornadas até um trabalho exaustivo, moradia precária, falta de saneamento básico e fome. No mundo ciberpunk, a desigualdade é a regra.
A precarização do trabalho, que os neoliberais chamam de “flexibilização trabalhista”, transforma desempregados em “empreendedores”, que não passam de trabalhadores sem vínculo nem direitos, mas que alimentam os lucros de corporações como Amazon, Uber e iFood. O neoliberalismo, ao desmantelar proteções sociais, não apenas precariza o trabalho, mas transforma a sobrevivência em um empreendimento individual. A chamada “economia de bicos” não é uma inovação libertadora, mas uma estratégia para transferir riscos aos trabalhadores, que assumem os custos da própria exploração.
O abismo social leva ao aumento da violência, reprimida com mais violência pelo Estado. Comunidades marginalizadas sofrem com infraestrutura precária, saneamento inadequado e acesso limitado a água e energia. A instabilidade política e a perpetuação da pobreza agravam a exclusão. Esse ciclo alimenta ressentimentos e mina a confiança nas instituições, convulsionando um terreno fértil para conflitos sociais, discursos de ódio e extremismos.
A desigualdade social extrema divide a sociedade entre uma elite privilegiada, que acumula riquezas e controla as tecnologias que moldam o futuro, e a massa marginalizada, que enfrenta a exclusão de recursos básicos e se encontra cada vez mais monitorada e controlada por essa tecnologia. O luxo e segurança dos bilionários é a vigilância e opressão das classes subalternas. A privacidade é um privilégio; a liberdade, uma ilusão.
O monitoramento social é um elemento central na sociedade contemporânea. Governos e corporações utilizam essas ferramentas para rastrear, prever e controlar o comportamento das massas e dos indivíduos. Estamos cercados por câmeras de reconhecimento facial, algoritmos de previsão, aplicativos de espionagem digital. As pessoas vendem a íris a preço de banana, sem sequer saber o que isso significa.
A sensação de estar sempre sendo observado pode levar à autocensura; muitos evitam expressar opiniões ou realizar ações por medo de “cancelamento”. Embora a vigilância não imponha silêncio absoluto, molda a forma como as pessoas se expressam. A autocensura convive paradoxalmente com uma hiperexposição calculada: compartilhamos incessantemente fragmentos selecionados (distorcidos ou irrelevantes) de nossas vidas tristes, e evitamos opiniões e temas que possam resultar em retaliação, exclusão ou, quiçá, em um debate aprofundado. Os direitos de personalidade já não são acessíveis a mais ninguém.
A vigilância digital não é apenas um mecanismo de controle estatal, mas um modelo de negócios. No capitalismo de vigilância, dados pessoais são extraídos, analisados e comercializados, gerando lucros para corporações e permitindo a predição e manipulação de comportamentos. O indivíduo, reduzido a um produto, tem sua autonomia diluída em um sistema que transforma cada escolha em um dado lucrativo.
A vigilância massiva reduz significativamente as liberdades individuais. Provoca alienação e desumanização. O indivíduo, reduzido a um conjunto de dados, perde sua humanidade diante de um sistema que o trata como objeto a ser gerenciado e explorado. As populações marginalizadas, é claro, tendem a ser mais monitoradas, controladas e criminalizadas.
As relações humanas nunca estiveram tão fragmentadas como em nossa sociedade hiperconectada. O planeta está interligado pela tecnologia, mas não podemos dizer que as pessoas estão mais próximas umas das outras: vivemos em bolhas, imersos em discursos de ódio e impedidos de um debate profundo e produtivo sobre qualquer tema. Sob o domínio dos algoritmos, reforçamos vieses e recrudescemos palavras de ordem superficiais e agressivas.
A solidão cresce em meio a uma multidão que se apinha no espaço, mas não compartilha experiências. A saúde mental deteriora-se a níveis alarmantes. Crianças e adolescentes atingem patamares assustadores de depressão e ansiedade. Estamos cada vez mais insones e nossos sonhos são cada vez mais escassos.
A exposição contínua a tragédias, guerras, desastres ambientais, violência, injustiças, ao invés de sensibilizar, nos leva à alienação. A dor vira estatística. O sofrimento se torna entretenimento, meme, comentários irônicos.
Você está lendo este texto em um celular? Como está a sua postura? Há quanto tempo você não pisca? Estamos todos viciados em curtidas, em validação instantânea, em ciclos de recompensa viciantes. A dopamina barata molda o comportamento social. Passamos mais tempo lambendo nossas telas do que interagindo uns com os outros no mundo físico. Quando foi a última vez que os seus pés descalços encostaram na Terra viva?
O avanço tecnológico em um mundo ciberpunk, além de comprometer a confiança entre cidadãos e instituições, minando a democracia, impulsiona a exploração predatória da natureza. A era digital exige recursos raros e de difícil extração, como o lítio, essencial para as baterias de carros elétricos, smartphones e sistemas de armazenamento de energia. Sua mineração devasta ecossistemas inteiros, esgota reservas de água e envenena comunidades já fragilizadas.
A obsolescência programada gera um rastro de lixo eletrônico sem precedentes, liberando metais pesados e outras substâncias químicas nocivas no solo e nos aquíferos. A crise climática se intensifica à medida que governos e corporações priorizam o lucro em detrimento da sustentabilidade. O colapso dos ecossistemas é iminente: o ponto de não retorno está cada vez mais próximo! No mundo ciberpunk que se avizinha, viveremos envoltos em névoa tóxica, caminhando por territórios devastados, lutando uns com os outros por migalhas de sobrevivência.
O consumismo impulsiona o trabalho escravo e a Terra se transforma em um cemitério de lixo tóxico.
A serviço do capital, a tecnologia, longe de ser uma força libertadora ou democratizante, reforça a desigualdade social e o acúmulo do poder econômico. Algoritmos perpetuam discriminações sistêmicas. A inteligência artificial, ao invés de liberar os trabalhadores de funções exaustivas, nos tira empregos ou explora ainda mais o trabalhador precarizado. Armas autônomas ampliam a violência irresponsável, enquanto populações vulneráveis estão sujeitas a conflitos cada vez mais assimétricos.
A tecnologia não é neutra: seus usos, acessibilidade e impactos são determinados pelas relações de poder. Inovações poderiam ser utilizadas para redistribuir riqueza e ampliar o acesso a direitos, mas, no modelo atual, servem para reforçar a dominação. Da mineração de metais raros ao treinamento de modelos de inteligência artificial, a tecnologia é projetada para perpetuar desigualdades estruturais.
Os governos, que deveriam trabalhar para equilibrar os interesses coletivos, não passam de fantoches das grandes corporações. O lobby garante que as leis favoreçam as elites, e as políticas públicas protegem o mercado, em detrimento do povo. O Estado, ao invés de contrabalançar o poder das megacorporações, atua como seu fiador. Incentivos fiscais, privatizações, desregulamentação e repressão de movimentos sociais garantem que a riqueza continue fluindo para os donos do poder. A aliança entre corporações e governos molda políticas econômicas, restringe direitos trabalhistas e transforma bens públicos em mercadoria. Os cidadãos não confiam no Estado e se entregam às mãos de líderes corruptos e egoístas.
No mundo ciberpunk, a tecnologia oprime, o consumo escraviza, a política serve a interesses privados. A distopia não está no horizonte, ela já se instalou ao nosso redor.


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